PREFÁCIO

 

A minha melhor poesia é aquela que nunca escrevi

e que talvez nunca escreverei...

Morrerá improfícua...

Como uma lágrima seca... dentro de mim.


                                                                De Hyppólito

 

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O Homem à Beira do Cais



Homem...! Passaste a vida à beira do cais.
Só! Permaneceste no porto, e teus olhos banais,
A contemplarem idas e vindas, tornaram-se tristes,
Pois tu nunca ficaste...Pois tu nunca partiste...

Só! À beira do cais do porto ficaste a indagar:
Pelos mistérios que as procelas guardariam neste mar;
Quantos naufrágios, quantos mastros tombados,
Quantos ideais, quanta esperança, sob a água, sepultados?

Homem...! O que fazes à beira do cais do porto...?
Atracado em ti mesmo, ancorado em um sonho morto?
Este mar que te atrai é o mesmo que te apavora,
É o mesmo que te deixa aqui, é o mesmo que te leva embora.

Homem...! Que náufrago tornaste de ti mesmo,
Que agora vaga à beira do cais, triste e a esmo.
Por que, os segredos do mar, a perscrutar insistes?
Por que não partes? Por que não ficas? Por que desistes..?

Homem...! Um mar limpo e calmo, navegar, tu sonhas
(E um oceano dentro de ti em convulsões medonhas...)
Queres as fronteiras da imensidão azul, ultrapassar...
E o medo dentro de ti, no porto, a te atracar...

Homem...! Que passaste a vida com receios banais,
Antes a fúria das águas do que o tédio no cais.
O tempo passou e à beira do porto findastes.
Pois tu nunca partiste...Pois tu nunca ficaste...

sábado, 17 de maio de 2008

"Via Crucis"


À minha mãe (1937-2002)

Assim temo, a evocar-te a imagem linda,
Que, após a morte, venha a eternidade
Esta separação tornar infinda...
E, então, o sentimento que me invade,
Sem a esperança de te ver ainda,
É dor eterna, não é mais saudade.”
Da Costa e Silva


Por que deixaste tão cedo a estrada,
E foste ao pé de um arbusto descansar?
Será que estavas assim tão cansada?
Precisavas tão depressa te ausentar?

Por que carregaste tantas mágoas, castigos...
E fizeste de teu caminhar um suplício?
Por que levaste tanta dor contigo,
Tornando tua peregrinação tão difícil?

Por que não entregaste a Deus teus temores,
E não confiaste a um amigo o que sofrias?
Por que tua senda fez-se em um calvário de dores,
Não notaste, que mesmo em prantos, a vida te sorria?

Por que não colheste a flor à beira do caminho,
E não sentiste o perfume que dela exalava?
Por que não te deste o direito a um carinho,
E não olhaste para a criança que ao teu redor brincava?

Por que escolheste a trilha mais íngreme e penosa,
E não viste o caminho amplo que para ti se abria?
Por que só enxergaste os espinhos e não a rosa,
E não percebeste o anjo que de perto te seguia?

Não...! Não era para ser este o rumo de teus passos...
Não...! O destino insiste em cínico blefar...
Por isso em meus dias de hoje...o fracasso...
De não poder as peças de tua existência, juntar...

A tua estrada hoje está deserta...vazia...
Nela sonho ver-te com passos firmes caminhar...
Nela sonho um sol que te acaricia,
Como se fosse as mãos de Deus a te abraçar...

Noturno

"Mas vejo, no alvo mármore das urnas,
O Silêncio com o dedo sobre o lábio,
Olhando as vagas solidões noturnas..."
Da Costa e Silva
As coisas que amei, onde se encontram...?
As que amo por que não as sinto...?
Onde será que enterrei minha alma
para estar alheio a tantas emoções...?

Quero ir ao encontro de tudo que vivi
Reavivar sentimentos e ilusões
Aquecer minhas frias mãos
num sol intenso de lembranças...

Redescobrir manhãs nítidas de esperança...
Reviver noites soberbas de encanto...
Poder tocar as coisas que amei intensamente,
e tocando... sentir que as amo novamente...

Hoje! Nesta frieza em que me abismo,
entregue a um maldito calculismo,
sinto a paz dos que desistem,
a letargia dos que não crêem...

Sinto o passado distante, para lembrá-lo...
O futuro longe, para tocá-lo...
E o presente, perto demais...
Para senti-lo...


"Tempo de Solidão"



“Uma vida que termina com a morte
é uma vida cheia de amargura.”
Abu Al-Atahia

Para alguém que se esqueceu que, se errar é humano, perdoar é divino”.


Que fatalidade...! Meu Deus...! Que Fatalidade...!
Véus de mortalha, teu horizonte a cobrir. Já é tarde...
Teu tempo de solidão, finalmente se inicia...
Mas não assim...! Não desta forma...! Não nesta agonia...!

Que fatalidade...! Que Deus seja contigo...!
Que de piedade mitigue teu castigo,
Pois partes desta vida com grandes danos,
Levando teu ideal coberto de enganos.

Nada plantaste, também, nada colheste.
O tempo te enganou e não percebeste.
Só agora compreendendo da vida a trama,

É que entendo, que de perdoar esqueceste,
Por isto, como uma vela solitária, derreteste,
Num pires frio...sem calor...sem chama...


terça-feira, 29 de abril de 2008

"Tentações Noturnas"


Em convulsões noturnas, o Padre não dormia.
Em tentações satânicas a fé faltava...
E ele em dúvidas cruéis se consumia.

Levantou-se! E então, perante a imagem,
Ajoelhou-se e com fervor pedia...
Que lhe devolve-se a paz...a fé...e a coragem...

E pegando-a nos braços com desespero a beijou...
Ao contato, seus lábios congelaram.
Então, daquele pedaço de gesso...duvidou...!

Abriu a porta da rua, e contra o céu ele gritou:
-Maldita seja esta imagem inerte!”
E na sarjeta, o crucifixo...ele quebrou...

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Dor...!


"Amoldar-se a Dor é vencê-la" (Menotti Del Picchia)

Poesia feita para a Tese de Mestrado da Psicóloga Andréa Santarelli Alves(minha esposa) "A repercussão da dinâmica familiar na sintomatologia da fibromialgia".


De uma paciente fibromiálgica:
"Uma coisa é você imaginar uma dor,
outra é você sentir os limites dessa dor,
ter uma relação íntima com ela."


 
Quem és "Dor"? Qual será teu significado?
Por que sorrateiramente invades meus espaços,
E sobre meu corpo estendes teus tentáculos difusos,
Flagelando-o em desacreditadas queixas,
Subjugando-o em telúricas paisagens?

Pudesse eu, descrever-te em palavras, mas... estas me fogem,
Pois estás além do limite de meu corpo e de minha mente.
És, talvez, o espectro que silenciosamente, assombra em meus umbrais,
Ditando tediosamente, dentro de mim, as penas de minha existência.

Quem és "Dor"? Por que insistes em me tocar, em me possuir,
Passando noites a questionar-me sobre a inutilidade dos remédios?
Por que velas meu sono assim tão ciumenta,
Erotizando meu corpo em gemidos lancinantes,
Legitimando nele, o sofrimento?

Por que me encarceras em teus calabouços,
Sob o julgo de estereótipos infamantes?
Por que me acorrentas a tantos rótulos,
Estigmatizando-me em histéricas loucuras?

Quem és "Dor"? Por que me acuas no temor do desconhecido?
É chegada a hora de assumir todas minhas heranças,
De quebrar todos "Totens e Tabus",
De encarar enfim esta "Medusa"
E petrificar em mim, todos os medos.

Sou a Maria das Dores...Sou aquela que passa e ninguém vê...
Meu corpo por pontos dolorosos é formado.
Cada gesto meu é uma dor que se exterioriza.
Eu sou o reflexo de um espelho que se antagoniza
Na incredibilidade do que reflete.

Sim..! Sou a Maria das Dores...Aquela que passa e ninguém vê...
Aquela que sofre, mas...ninguém crê...

"Há algo em meu passado"





Há algo em meu passado, reclamando uma lembrança...
Algo, que inconformado, com o esquecimento.
Pede ao menos, uma lágrima...um sofrimento...

Há algo que se move em meu passado...
Que não se atenua com o tempo.
Algo que já estava em mim...latente...
Algo que insiste em doer...em doer...somente.

Há algo em meu passado... que protesta...
Que se ergue, voraz, em meus dias de agora.
Que me assombra com fantasmas de outrora.

Há algo que se ulcera em meu passado...
Que me faz regurgitar mágoas esquecidas...
Coisas que andei sepultando pela vida.

Há algo em meu passado que me cobra...
Algo que me empobrece...que me onera...

Há algo mendicante em meu passado...
Algo que, de vis andrajos me veste,

Há algo em meu passado, não resolvido...
Um anátema hediondo que não se desfaz...

Há algo de nefasto em meu passado...
Que mata aos poucos em mim, toda esperança.
Algo que pede, talvez...um sofrimento...uma lembrança...



"Quatro Estações"




Já vai longe a primavera... os campos verdejantes...
Onde a criança brincava. O céu azul... inebriante...
Flores brotando... ramalhetes de sonho infantil,
A perfumar de alegria, a crença pueril.

Tempo de paz...um lago calmo...rara beleza...
Os frutos doces...cantigas de roda... “as malvadezas...”.
O horizonte abrindo-se largo, sem fronteiras.
A mãe, zelosa, dando as broncas corriqueiras.

Os dias eram longos. As alegrias, também...
O choro era breve... nosso riso ia mais além...
Tínhamos esperança e dos sonhos, a amplidão.
E tudo isso, cabia, na palma de nossa mão.

Já vai longe o verão...! Campos em chamas...
Onde o jovem se abrasa. Ígneo, o céu se inflama.
Paixões brotam em buquês. Os desejos juvenis
Perfumando o ar libidinoso...arroubos...desvarios...

Tempo do amor...! Um mar em fúria...! O templo da beleza...!
Corpos em êxtase...canções promíscuas... “as safadezas...”.
O horizonte a esmo, largo...sem fronteiras.
E a mesma mãe, ciosa, a nos falar “asneiras”.

Os dias eram intensos. Os prazeres, também...
O pranto efêmero...nosso gozo ia mais além...
Tínhamos vigor, a energia fluía de nossas mãos.
E toda essa força, cabia, em nosso coração.

Já vem chegando o outono...! Campos pelo vento, açoitados.
Onde o homem cisma. Gris, o céu parece desbotado.
Flores murchando...o medo se abrindo em buquês...
Um cheiro agridoce a nos encher de dúvidas e porquês...

O tempo é rápido...! Um mar que oscila na incerteza...!
O corpo se exaure na instável correnteza.
O horizonte vai se fechando. Ao longe...as fronteiras.
E a mãe, ausente...suas palavras sábias...verdadeiras...

Os dias passam céleres. As venturas, também...
O choro prolonga-se...a dor vai mais além...
O vigor se esvai...escapa pela nossa mão...
E toda essa angustia, cabe, em nosso coração.

O inverno se aproxima...! Campos de geada, cobertos.
Onde o velho decai. Cinéreo é o céu...o pôr-do-sol, deserto...
Folhas secas num ramalhete de flores estioladas.
Um cheiro acre a perfumar a alma cansada.

O tempo para... um pântano estagnado na imundície...
Os frutos bichados...nênias ao vento... “as caduquices...”.
O horizonte não mais se avista. Superamos todas as fronteiras.
A mãe saudosa...chama...! É a viajem derradeira...

Os dias passam lentos. A agonia, também...
O riso se estanca...o tédio vai um pouco mais além...
Os tempos idos trazem luz e trevas ao coração.
E tanta vida...longe...fora do alcance de nossa mão...


"Leão Vencido"


De cima do monte, Velho Leão!
Contemplas a vastidão da selva, solitário.
Sim! Jovens leões, vorazes se aproximam .
Sim! Eles não temem mais o Velho Rei.

Eles vêm com a audácia e a arrogância dos mancebos.
Eles possuem a força, a garra e a coragem.
Eles vêm urinando em tuas demarcações
E incontinentes avançam sobre teu harém.

E tu, Velho Leão! Tentas então, o último urro soltar
Último urro que soa fraco...quase um lamento.
E há nesse urro, tanta entrega....consentimento.

Silencioso e cabisbaixo desces a velha montanha,
Todo teu reino deixando para trás
Lá embaixo a imensa savana, tórrida de Sol, o aguarda.

Os antílopes, ainda o temem e lépidos tentam se safar,
Mas, tu não tem força nem para caminhar,
Quanto mais para correr, quanto mais para caçar.

Sob o Sol escaldante, achas uma carniça
Dela tentas, em vão, te aproximar,
Pois as hienas a farejaram primeiro
E nem com a podridão consegues te alimentar.

As hienas não mais te respeitam, caçoam de ti
E sobre teu corpo alquebrado, investem.
É nesse momento que percebes a desgraça,
Não és mais o caçador. És a caça...!

Com movimentos lentos, patadas débeis e banais
Inutilmente tentas das feras te defender
No céu, bandos de abutres se alvoroçam
O régio banquete pressentem e famintos, o antegozam...

Teu último urro é quase um gemido, é quase um lamento
E há nesse urro tanta dor ...consentimento.

Caros amigos! Percebem em tudo isso,
Um humano e terrível significado?
No Mundo, tantos reis depostos,
Na Selva, quantos leões tombados.


"Eu me recordo..."



Eu me recordo...eu era tão pequeno...
Quando à antiga escola me levaste.
E lá chegando, após um breve beijo,
Com um calmo sorriso me falaste:
Que logo virias buscar-me,
Que não precisava me preocupar.
Fui, devagar, descendo a escadaria,
Trêmulo e com vontade de chorar.

E no pátio da velha escola,
Crianças corriam e brincavam,
Numa euforia ébria de liberdade,
Infantilmente, se esbaldavam.
Até pareciam filhotes de aves,
Tão distantes de seus ninhos.
Livres! Eles voavam alegres,
Triste! Eu voava sozinho...

Mais uma vez meu olhar ergui
E teu vulto, ansioso, procurei.
Lá da rua, calmamente a me fitar,
Que parecias triste, eu achei...
Quis, então, voltar ao pé da escada,
Mas fiquei ali parado, pobre menino...!
Vendo tua figura que se afastava,
Pressentindo ali, talvez, o meu destino.

O sinal tocou...eu ainda o escuto...
Na grande fila entrei resignado,
Ela foi se arrastando e lentamente...
Fui por mãos estranhas, então, levado.

Hoje...! Após tantos anos passados,
Ao rememorar esta passagem,
Não posso deixar de ver e constatar,
Nesta longa e quase dolorosa viajem,
Que tudo que vejo e percebo nela,
Tem um sentido...um significado...
Pois, mais uma vez eu fui
(E agora para sempre), por ti deixado.

A vida é a escola em que me encontro perdido.
Onde, entre sorrisos efêmeros e fúteis,
Vou buscando algo que dê sentido,
Para dias tão longos e inúteis...

O pátio da escola agora está vazio.
Só há nele: desespero...solidão...
Continuo voando triste e só,
Perdido em minha própria imensidão.
Só uma leve esperança restou-me,
Nesta minha dor atroz e infinda:
É a que, no final da grande aula,
Venhas, quem sabe...? Buscar-me ainda...

"Homem..!"


Homem..! Que em vão perscrutas céus distantes.
Em horas que o destino te acovarda...
Buscando na volúpia dos instantes...
O refrigério anil da paz sonhada.

Homem..! De longe trazes arquejante...
Os ímpetos febris em derrocada.
Sonhos de alvoradas inebriantes,
No ocaso da esperança malfadada...

Homem..! Ser que se debate inutilmente...
Diga-me..! Para que te serve tanto empenho,
Se o que colhes de cada esperança,
é o fruto amargo da decepção..?

Se a cada grito que ao mundo imprecas...
Só te responde um terrível eco...Solidão..!


domingo, 27 de abril de 2008

"Dessepulta-me...!"




Acorda-me..!
Tenho andado dormindo todos esses anos...
Restitua-me o sonho...As ilusões...As crenças...
Desata-me dos laços da indiferença...
Reconstitua o ser humano que havia em mim.

Dessepulta-me...!
Ressuscita no calor de teus braços,
a vitalidade de meu corpo e de minha alma...
Enlouqueça-me..!
A muito tenho andado sonolento na razão...

Explora-me...!
Faça de cada parte de mim tua posse,
teu objeto, teu poder...
Submeta-me..! Restrinja-me a ti!
Encarcera-me em teus calabouços.
Faça-me sentir a liberdade dos possuídos...

Contesta-me...!
Não aceite como tuas, minhas verdades.
Reeduca-me como se eu fora uma criança
brincando de ser homem pela vida...

Viola-me...!
Com teus olhos que conhecem a coragem.
E que enxergam em mim a covardia...
Desdenha destes meus temores.
Ensina-me a ousar...
A não temer fracassos...

Liberta-me...!
Da redoma fria em que me isolei.
Reabra-me...! Disseca-me...!
E depois....Fecha-me...!
Com teu amor...Para sempre...!
Dentro de mim...