PREFÁCIO

 

A minha melhor poesia é aquela que nunca escrevi

e que talvez nunca escreverei...

Morrerá improfícua...

Como uma lágrima seca... dentro de mim.


                                                                De Hyppólito

 

segunda-feira, 31 de julho de 2017




A Gente Se Acostuma...

                         Inspirado no célebre texto de Marina Colassanti
       

“Amoldar-se ao mundo e as suas regras não quer dizer que as aceitamos e nem que fazemos parte delas...”




A gente se acostuma... a ser isso que somos, a ser o que dia a dia nos torna...A brigar por vagas nos estacionamentos, a brigar por vagas nos empregos, a brigar por vagas no coração de alguém...

A gente se acostuma... a ser promovido sentido-se rebaixado, a ser escolhido sentindo-se relegado, a ser abençoado sentido-se maldito.

A gente se acostuma... a colegas que nos tiram da solidão sem nos proporcionar companhia, a beijar sapos que não viram príncipes, a frequentar lugares que odiamos e a conviver com pessoas que para nós nada acrescentam, nada significam...

A gente se acostuma... a ser gerido pela incompetência, a ser torturado por ela sem clemência, tornando-se mero joguete em mãos inescrupulosas que violam nossa inteligência...

A gente se acostuma... A encarar a vida como um mero exercício de aceitação... A deitar no “Leito de Procusto” das regras sociais... Amputando assim nossas aspirações, nossos anseios, nossas esperanças...

A gente se acostuma... que é dando que se recebe, que é fechando os olhos que se perdoa, que é apanhando que se cria escudos...

A gente se acostuma... à gravata apertada das instituições, à saia justa das negociações  e a usar a túnica hedionda da cumplicidade...

A gente se acostuma... a corrupção dos elogios fraudulentos, a adulação hipócrita de nossos subordinados e a torpe indulgência de nossos superiores...

A gente se acostuma... a ser parte de uma acéfala estatística, estatística essa que não gera nada...não cria nada...não prova nada...que nos transforma em nada...

A gente se acostuma... a ganhar batalhas, perdendo-as, a triunfar sentindo a inutilidade da conquista e o amargo sabor da vitória pírrica.

A gente se acostuma... a enterrar nossos sonhos, nossos ideais, a ocultar nossos mais puros sentimentos, a engolir a seco toda mediocridade do mundo, a aplaudir de pé o exibicionismo infame dos hipócritas...

A gente se acostuma... a ser fera para não ser devorado por ela, a participar desse jogo sem questionar suas regras, a aceitar a trapaça no blefe dos farsantes...

 A gente se acostuma... a não olhar para frente com medo do tempo que se esgota e que nos esgota...

A gente se acostuma... ao medo do que virá, do que será, do que farei..?

A gente se acostuma... a fazer várias coisas ao mesmo tempo sem se concentrar em uma, a ver a nossa vida rapidamente esvaindo-se na volúpia das horas sem se dar conta disso...

A gente se acostuma... a ver nossos filhos crescerem na mesma proporção de nossos medos, a ver a cada dia nossa imagem no espelho refletida sem nos enxergarmos, a envelhecer sufocando a criança que brincava em nosso peito...

A gente se acostuma... a se despedir chegando, a chegar partindo... a não olhar para trás com medo de ver que nos deixamos no caminho, que alguma parte de nós ficou na estrada, talvez a nossa melhor parte...

 A gente se acostuma... a ver entes queridos partindo, nossos amigos sumindo... as mesas ficando vazias...a gente se acostuma a ficar cada vez mais sós...

Sim...! A gente se acostuma... mas não devia...*

                                                                                                      

sábado, 29 de julho de 2017



Asas de Cera



Qual será o sentido oculto neste labirinto?
Para onde irá o homem,
Aprisionado em seu próprio instinto?

Aonde achará a saída desta prisão,
Com o pensamento ofuscado
Pelo sentimento e pela emoção?

“Asas de cera não vão, no céu, te sustentar,
Há um mar imenso e ciumento a te mirar...”

Seriam essas asas um meio perfeito de elevação?
Que “Dédalo” hediondo arquitetou para ti esta prisão?
Dando-te asas de cera para fugir de meandros vis,
Calabouços frios, enigmáticos e sutis?

Perdeste em afetividades a tua mera lucidez,
Elevando teus propósitos à pura insensatez,
Em tua insanidade, quiseste o céu do mundo,
E o inferno foi se abrindo mais profundo...

“Asas de cera não vão, no céu, te sustentar,
Há um imenso deserto a te atrair, a te chamar...”

Teu intelecto é o “Dédalo” construtor desta prisão,
Deu-te para dela fugir, as inúteis asas da ilusão
Que a alma humana, eternamente, vivem a elevar,
A amplidões impossíveis de se alcançar...

“Asas de cera não vão, no céu, te sustentar,
Há um imenso pântano, hediondo e tenso,
Silenciosamente negro... a te atrair.. a te aguardar...”







Fé Descrente


Sentado à mesa, observo meu filho no tapete a brincar,
Deixo-me um pouco... e a ele volto minha atenção.
Há nas mãozinhas dele, dois bonecos...
Um é o bom... Outro é o mau...

Na sua concepção infantil, não existe o meio-termo,
Um representa o “Bem”, que há de sempre triunfar...
Outro representa o “Mal”, que sempre perderá...
Ele sempre me convida, para da brincadeira participar...
Sempre digo que não posso... Que tenho outros afazeres...
Mentira torpe e deslavada...!

A verdade é que não acredito mais em heróis que fazem o bem triunfar...
Acredito mais nos vilões que armam ciladas... emboscadas...
Nos “Dragões do Mal” que sempre destroem com seu fogo, nossos castelos...
Na eficiência dos estrategistas hediondos,
 a arquitetarem com maestria para nós o dano.

Minha lança do bem...?! Quebrou-se..!
Devo tê-la partido quando a enrosquei em algum desses improváveis moinhos de vento...
Ou quem sabe..? Rompeu-se com a fúria das rudes procelas...

Por isso, meu filho... ficarei aqui, sentado, a te contemplar...
Com mil demônios no meu peito a se confrontarem...
Ficarei mesmo que descrente... Crendo...!
Que um dia, ao riso pueril de uma criança,
 Toda maldade humana, enfim, sucumbirá...
Ao mesmo tempo pressentindo e temendo,
A imensa frustração que esta crença me trará...


sexta-feira, 28 de julho de 2017


AVISO:

CONTEÚDO IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS






Traje Descartável

Ficam, por toda a vida, as duas vidas
Na mais profunda comunhão estranhas,
No mais completo amor desconhecidas.
E os dois seres, sentindo-se tão perto,
Até num beijo, são duas montanhas
Separadas por léguas de deserto.
Olavo Bilac

                                                                 Quanto tempo haveremos de caminharmos juntos,
                                                           para no final descobrirmos que estamos sós....
                                                                                                                                                   De Hyppólito


Sou a meia puída, quase furada, esquecida na última gaveta.
Sou o pé de chinelo que do par se perdeu na longa caminhada...
Sou, talvez, aquela camiseta surrada... toda furada...
Que não tendo nenhuma serventia, virou pano de chão...

Sou uma roupa que já não te serve,
aquela que lhe aperta, que te estrangula...
aquela que não se amolda mais a seu corpo...

Tentas ás vezes usá-la, mas ela te frustra...
Não se encaixa mais em tua forma augusta,
nem são apropriadas para quem hoje tu és...

São apenas farrapos daquilo que já foi roupa...
Que hoje não são mais nada, não valem nada...
      Mofaram... na gaveta do tempo... viraram estopa...