Penitência
Tardia
A notícia
veio pela manhã, meu irmão não estava bem,
Teve um
mal súbito e foi internado às pressas.
Cancelei
todos compromissos e segui para o hospital.
No
trajeto, enquanto caminhava para lá,
Pensamentos
e recordações povoavam minha mente,
O cofre
da memória, então, se abriu...!
E tanta
coisa...
Recôndita
em minha alma, então, surgiu...!
Me veio
à lembrança um natal antigo,
Nós
todos pequenos, em escadinha,
Eu,
minha irmã e o caçulinha...
Como
foi contestável Papai Noel naquele dia,
Trazendo
em seu ordinário saco a desarmonia,
Para
mim um lindo carrinho...
Para
minha irmã uma graciosa boneca...
E para
o menor uma lúdica e inútil: Peteca...!
Seus
olhinhos se fixavam em meu brinquedo,
E eu,
perverso tripudiava, e tinha prazer nisto...
Fazendo
“vrum” com meu carrinho,
Enquanto
ele segurava a infame Peteca,
Sem ter
ao menos com quem jogar...
O tempo
foi passando, a peteca ficou jogada num canto,
Empoeirada
e esquecida, até que um dia foi parar no lixo...
Mas meu
lindo carrinho permanecia intacto e intocável.
A
crueldade infantil é imensurável...
Por muitas
e muitas vezes, ele, tadinho...
Ficava
parado a olhar para o carrinho,
Com
aquela ânsia infantil de pelo menos tocá-lo,
Brincar
nem que fosse só um pouquinho,
E eu,
sórdido, não deixava...
Os anos
avançaram cada qual seguiu o seu caminho,
Essas
lembranças cauterizaram-se em meu cerne,
Não sei
se houve reciprocidade em meu irmão...
Hoje
elas eclodem em mim,
Tempestivas
e apocalípticas,
É o
arrependimento inútil dos culpados,
A
metanoia estéril dos delinquentes.
O
momento chega...
Justo e
inevitável...!
Entro
no quarto...
Meu
irmão volta para mim seus olhos...
Observo
em seu olhar...
O mesmo
brilho daquele fatídico natal.
Pareceu-me até que pedia que não o deixasse partir...
Como se
a vida fosse aquele brinquedo,
Que eu
não queria dividir...
Quis no
último instante lhe pedir perdão...
Mas os
olhos dele já se despediam...
Foi aí
então que me veio o desejo absurdo de falar:
“_
Não...! Não vá embora não, querido maninho..!
Eu jogo
peteca contigo...
Eu
deixo você ficar com o carrinho...”