PREFÁCIO

 

A minha melhor poesia é aquela que nunca escrevi

e que talvez nunca escreverei...

Morrerá improfícua...

Como uma lágrima seca... dentro de mim.


                                                                De Hyppólito

 

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

 


Do livro: Contos de Vidas que não Vivi

O remorso de algo que fizemos no passado,
frusta e escurece o nosso presente...
Dando-nos uma sensação amarga de impotência.


                                                                                                 

Penitência Tardia

  

A notícia veio pela manhã, meu irmão não estava bem,

Teve um mal súbito e foi internado às pressas.

Cancelei todos compromissos e segui para o hospital.

 

No trajeto, enquanto caminhava para lá,

Pensamentos e recordações povoavam minha mente,

O cofre da memória, então, se abriu...!

E tanta coisa...

Recôndita em minha alma, então, surgiu...!

 

Me veio à lembrança um natal antigo,

Nós todos pequenos, em escadinha,

Eu, minha irmã e o caçulinha...

 

Como foi contestável Papai Noel naquele dia,

Trazendo em seu ordinário saco a desarmonia,

Para mim um lindo carrinho...

Para minha irmã uma graciosa boneca...

E para o menor uma lúdica e inútil: Peteca...!

 

Seus olhinhos se fixavam em meu brinquedo,

E eu, perverso tripudiava, e tinha prazer nisto...

Fazendo “vrum” com meu carrinho,

Enquanto ele segurava a infame Peteca,

Sem ter ao menos com quem jogar...

 

O tempo foi passando, a peteca ficou jogada num canto,

Empoeirada e esquecida, até que um dia foi parar no lixo...

Mas meu lindo carrinho permanecia intacto e intocável.

 

A crueldade infantil é imensurável...

Por muitas e muitas vezes, ele, tadinho...

Ficava parado a olhar para o carrinho,

 

Com aquela ânsia infantil de pelo menos tocá-lo,

Brincar nem que fosse só um pouquinho,

E eu, sórdido, não deixava...

 

Os anos avançaram cada qual seguiu o seu caminho,

Essas lembranças cauterizaram-se em meu cerne,

Não sei se houve reciprocidade em meu irmão...

 

Hoje elas eclodem em mim,

Tempestivas e apocalípticas,

É o arrependimento inútil dos culpados,

A metanoia estéril dos delinquentes.

 

O momento chega...

Justo e inevitável...!

 

Entro no quarto...

Meu irmão volta para mim seus olhos...

Observo em seu olhar...

O mesmo brilho daquele fatídico natal.

 

Pareceu-me até que pedia que não o deixasse partir...

Como se a vida fosse aquele brinquedo,

Que eu não queria dividir...

 

Quis no último instante lhe pedir perdão...

Mas os olhos dele já se despediam...

Foi aí então que me veio o desejo absurdo de falar:

“_ Não...! Não vá embora não, querido maninho..!

Eu jogo peteca contigo...

Eu deixo você ficar com o carrinho...”

  

 

2 comentários:

Flavia Marchi disse...

Parabéns pela sua sensibilidade e talento na escrita. São habilidades raras.

De Hyppólito (Elsio Poeta) disse...

Que bom que vc gostou Flávia... Obrigado...!