PREFÁCIO

 

A minha melhor poesia é aquela que nunca escrevi

e que talvez nunca escreverei...

Morrerá improfícua...

Como uma lágrima seca... dentro de mim.


                                                                De Hyppólito

 

sábado, 22 de outubro de 2022

 


Do livro: Contos de Vidas que não Vivi


A imagem de meu Pai

  

Me lembro da velha casa em que morei,

A infância ali transcorreu sem dores.

Era uma casa esquisita, cheia (aos meus olhos de criança),

De lugares escondidos num aranhol de corredores.

 

À noite, antes de ir dormir,

Sempre via no final de um longo corredor,

A imagem de meu Pai sentado à mesa da sala,

A ler, a escrever e por muitas vezes...

A olhar para o nada...

 

O tempo passou...

A casa foi embora...

Com seus corredores empoeirados,

Levando junto a imagem de meu pai também...

 

Mas a lembrança da corporatura de meu velho,

Sentando e meditando, no final do corredor,

Permanece em mim até os dias de hoje.

 

Caminho por este mundo,

(Que para mim tornou-se um claustro)

Cheio de dúvidas e de temores,

Procurando a imagem enigmática de meu Pai,

No final destes longos e intermináveis

Corredores...

 

 

 


segunda-feira, 10 de outubro de 2022



Cegonha Triste


“Meu coração, como um cristal, se quebre,

O termômetro negue minha febre,

Torne-se gelo o sangue que me abrasa,

E eu me converta na cegonha triste

Que das ruínas duma casa assiste

Ao desmoronamento de outra casa!”

Augusto dos Anjos

 


Quanto sentimento, quanto amor,

Represei no lago escuro de meu peito.

Quantas palavras calei,

Pelo simples medo de proferi-las...

 

Quantos amigos perdi,

Por não ter tempo para eles,

Por não os aceitar como eram,

Por não tentar ao menos por um momento,

Compreende-los...

 

Quantos caminhos para mim se abriram,

E eu com medo do desconhecido...

Não os percorri...

 

Preferindo ficar aqui de rastros...

Carregando dentro de mim

A abjeta mediocridade de meu ego.

 

Meus passos travaram...

E na estrada enlameada de minha vida

Atolei...!

Afundado em minha própria insignificância...

 

Tornei-me a “Cegonha Triste” ...

Que debruçada sobre si mesma,

Contemplou deplorável e silente...

O desmoronamento do seu próprio ser...

   

 


Do livro: Contos de Vidas que não Vivi

O remorso de algo que fizemos no passado,
frusta e escurece o nosso presente...
Dando-nos uma sensação amarga de impotência.


                                                                                                 

Penitência Tardia

  

A notícia veio pela manhã, meu irmão não estava bem,

Teve um mal súbito e foi internado às pressas.

Cancelei todos compromissos e segui para o hospital.

 

No trajeto, enquanto caminhava para lá,

Pensamentos e recordações povoavam minha mente,

O cofre da memória, então, se abriu...!

E tanta coisa...

Recôndita em minha alma, então, surgiu...!

 

Me veio à lembrança um natal antigo,

Nós todos pequenos, em escadinha,

Eu, minha irmã e o caçulinha...

 

Como foi contestável Papai Noel naquele dia,

Trazendo em seu ordinário saco a desarmonia,

Para mim um lindo carrinho...

Para minha irmã uma graciosa boneca...

E para o menor uma lúdica e inútil: Peteca...!

 

Seus olhinhos se fixavam em meu brinquedo,

E eu, perverso tripudiava, e tinha prazer nisto...

Fazendo “vrum” com meu carrinho,

Enquanto ele segurava a infame Peteca,

Sem ter ao menos com quem jogar...

 

O tempo foi passando, a peteca ficou jogada num canto,

Empoeirada e esquecida, até que um dia foi parar no lixo...

Mas meu lindo carrinho permanecia intacto e intocável.

 

A crueldade infantil é imensurável...

Por muitas e muitas vezes, ele, tadinho...

Ficava parado a olhar para o carrinho,

 

Com aquela ânsia infantil de pelo menos tocá-lo,

Brincar nem que fosse só um pouquinho,

E eu, sórdido, não deixava...

 

Os anos avançaram cada qual seguiu o seu caminho,

Essas lembranças cauterizaram-se em meu cerne,

Não sei se houve reciprocidade em meu irmão...

 

Hoje elas eclodem em mim,

Tempestivas e apocalípticas,

É o arrependimento inútil dos culpados,

A metanoia estéril dos delinquentes.

 

O momento chega...

Justo e inevitável...!

 

Entro no quarto...

Meu irmão volta para mim seus olhos...

Observo em seu olhar...

O mesmo brilho daquele fatídico natal.

 

Pareceu-me até que pedia que não o deixasse partir...

Como se a vida fosse aquele brinquedo,

Que eu não queria dividir...

 

Quis no último instante lhe pedir perdão...

Mas os olhos dele já se despediam...

Foi aí então que me veio o desejo absurdo de falar:

“_ Não...! Não vá embora não, querido maninho..!

Eu jogo peteca contigo...

Eu deixo você ficar com o carrinho...”

  

 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

 


Homens de Negro

 

Homens de negro, de negros intentos...

Sois sim, a materialidade do mal.

Há em vossos olhos o rubor sanguinolento,

Das faces esculpidas em algum templo de Baal.

 

Homens de negro, de negras almas...

Onipotentes na prepotência inerente ao mau-caratismo.

Vossos desmandos causam danos, causam traumas...

Arquétipos da insensatez, simulacros vis do humanismo.

 

Homens de negro, ímprobos, tiranos de caquéticos desígnios...

Onipresentes em tudo que corrompe, em tudo que suborna.

Sois guardiães inexoráveis das falcatruas, dos latrocínios.

Representam tudo que é fétido, tudo que transtorna.

 

Homens de negro, párias nauseabundos e saltitantes...

Seres abjetos que se enraizaram no poder e na cobiça,

Quem vos deu, seres da banalidade circunstantes,

O direito de sem direito usurparem a Justiça...?!

 

Homens de negro, déspotas soberbos da maldade...

Aquartelados na intocabilidade de vosso torpe casuísmo,

Vão delegando aos asseclas vis de vossa iniquidade,

A ignomínia malsã e destrutiva do cinismo.

 

Homens de negro, déspotas insanos, parvos, estultos...

Estátuas de sal, pavilhões estúpidos da onisciência.

Secareis como a figueira que não deu fruto,

Trajando o corolário infame da Jurisprudência.